December 30, 2008

A autoflagelação israelense


Leia aqui a versão deste artigo na íntegra (em ingles)


Johann Hari

O mundo não está apenas vendo o governo de Israel cometer um crime em Gaza; estamos assistindo a uma autoflagelação. Esta manhã, amanhã e a cada manhã até os bombardeios punitivos terminarem, os jovens da Faixa de Gaza estarão mais cheios de ódio e mais determinados a revidar, com pedras, vestes suicidas ou mesmo foguetes.

Os líderes israelenses se convenceram de que, quanto mais duro for o golpe contra os palestinos, mais mansos eles ficarão. Mas quando isso tudo acabar, a raiva contra os israelenses terá aumentado muito e os mesmos velhos compromissos estarão ainda esperando, à margem da História, sem encaminhamento.

Para entender o quão assustador é ser um cidadão de Gaza esta manhã, você precisaria estar nessa minúscula e claustrofóbica selva de pedra às margens do Mediterrâneo. Desempregados, famintos, eles vivem praticamente uns em cima dos outros. Quando as bombas começam a cair, não há para onde correr.

A guerra que se segue agora é sobre a história dessa guerra. O governo de Israel diz: “Nos retiramos de Gaza em 2005 e, em troca, temos o Hamas e os foguetes Qassam sendo lançados sobre nossas cidades. Dezesseis civis foram assassinados.

Quantos mais devemos sacrificar?” É uma narrativa plausível e há fragmentos de verdade nela. Mas está repleta de buracos.

O governo israelense realmente se retirou da Faixa de Gaza em 2005, mas para poder intensificar seu controle na Cisjordânia. O principal assessor de Ariel Sharon então, Dov Weisglass, não deixou dúvidas sobre este ponto.

Horrorizados com isso e com a corrupção de seus próprios líderes do Fatah, os palestinos votaram no Hamas. E o Hamas ofereceu a Israel um longo cessar-fogo e a aceitação da idéia dos dois estados, se Israel retornasse a suas fronteiras legais.

Em vez de aproveitar a oportunidade para testar a sinceridade do Hamas, o governo de Israel decidiu reagir punindo toda a população civil, ao bloquear completamente a região. Segundo a Oxfam, apenas 137 caminhões de comida entraram em Gaza no último mês para alimentar 1,5 milhão de pessoas. É hipócrita da parte de Israel falar agora em segurança de civis quando vem aterrorizando civis como política de estado.

Por que Israel age desta forma? O governo quer paz, mas apenas a imposta por seus próprios termos, baseada na aceitação da derrota pelos palestinos. Negociações são uma ameaça para essa visão: Israel teria que ceder mais do que quer. Mas uma paz imposta não é paz e não interromperá nem o ódio nem os foguetes. Será preciso conversar com as pessoas que sofrem o bloqueio, que estão sendo bombardeadas hoje e se comprometer com elas. Nas palavras do escritor israelense Larry Derfner, “a bola não está no campo do Hamas, mas sim no nosso”.


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December 29, 2008

Este é o país

Duas reportagens recentes da Carta Capital honram o jornalismo: O Empresário Gilmar, de Leandro Fortes, com Filipe Coutinho e Phydia de Sthayde, de 8 de outubro, e Nos Rincões dos Mendes, do mesmo Leandro, de 19 de novembro.

Na primeira, ficamos sabendo que a Suprema Corte deste país é presidida por um empresário, cujos interesses pecuniários se satisfazem muito graças à sua mais alta posição no reino judiciário. Já chegaria para embrulhar o estômago, não? Mas o estômago vira de vez com certos detalhes. Gilmar tem participação no controle acionário do Instituto Brasiliense de Direito Público, IDP, que desde 1998 organiza palestras, seminários, treinamentos, cursos superiores, e faturou entre 2000 e 2008 quase 2 milhões e meio de reais em serviços prestados a órgãos federais, tudo contratado sem liciração. Entre os professores do IDP figuram advogados de peso, alguns defensores de clientes com ações que correm no STF presidido pelo empresário Gilmar; ministros de Estado e de tribunais superiores, inclusive colegas de Gilmar no STF - Carlos Alberto Direito, Carmem Lucia Rocha, Carlos Ayres de Britto, Eros Grau e Marco Aurélio Mello. Tem mais coisas de engulhar, mas chega.

Na segunda reportagem, Leandro vai a Diamantino, a 208 quilômetros de Cuiabá, Mato Grosso. Na terra natal de Gilmar, "o ministro é a parte mais visível de uma oligarquia nascida à sombra da ditadura militar". O prefeito Francisco Mendes, 50 anos, irmão caçula de Gilmar, mantém-se no cargo há oito anos com uma forcinha do mais velho. Na campanha de 2000, como advogado-geral da União, e na de 2004, como ministro do STF, Gilmar levou a Diamantino autoridades federais para inaugurar obras e prometer outras.

Em outubro de 2008, finalmente, o notário Erival Capistrano, do PDT, derrotou a família Mendes e seu candidato Juviano Lincoln. Outro irmão de Gilmar, Moacir Mendes, mandou avisar a Erival que ele não toma posse em 1 de janeiro de 2009: antes dessa data vai matá-lo, segundo denunciou ao repórter o próprio Erival. Pesado, hem? Como é que a imprensa gorda, que tem todos os recursos, não nos informa dessas coisas? Estamos falando da mais alta autoridade jurídica da nação. A reportagem de Leandro, condensada nos fatos mais escabrosos, é de dar frio na espinha.

Na reta final da campanha eleitoral de 2000, a estudante Andréa Paula Pedroso Wonsoski, 19 anos, que trabalhava como cabo-eleitoral do atual prefeito Francisco Mendes, registrou BO na delegacia. Alegou que o candidato acusou-a de traição por "denunciar a troca de cestas básicas por votos". Tal denúncia, na verdade, havia sido feita por sua irmã mais velha, Ana Paula. No BO, Andréa registra que, ao tentar explicar isto a Francisco durante um comício, "gente do grupo de candidato" avisou-lhe "Tome cuidado". Um mes depois, já efeito prefeito Francisco Mendes, Andréa participou de um ato de protesto contra abuso do poder econômico nas eleições. E desapareceu. Trabalhadores encontraram a ossada tres anos depois, enterrada às margens de uma avenida, a 5 quilômetros do centro de Diamantino. Mataram Andréa com um tiro na nuca. Estava nua, "provavelmente estuprada antes". Chega, não? Este é o país.

Mylton Severiano

Carta Capital, dezembro 2008

December 26, 2008

Milionários russos pagam para ter dia de pobre

Excentricidade vira moda entre os ricos de Moscou, a cidade que reúne o maior número de bilionários do planeta

Vivian Oswald
Correspondente

MOSCOU. Em “O jogo” (1997), filme de David Fincher, o empresário bem-sucedido e entediado Nicholas Van Orton (Michael Douglas) ganha de presente de aniversário do irmão (Sean Penn) um convite para participar de um jogo misterioso. Uma série de episódios — que seriam considerados apavorantes por uns e instigantes por outros — mudaria sua vida para sempre.

Fora das telas de cinema, na mesma época, Sergei Knyazev criou na capital russa brincadeiras que ofereciam adrenalina à rotina de milionários pós-soviéticos que já não sabiam mais como gastar suas fortunas.

Onze anos depois, os 50 jogos de Knyazev continuam fazendo sucesso. Para tentar curar o tédio, celebridades, políticos e pessoas influentes de todo o país procuram o empresário. Pagam o que for preciso para se submeter a todo tipo de situação.

Passam o dia vestidos de mendigos e músicos a pedir esmola nas estações de trem de Moscou ou em locais turísticos.

Há quem prefira trabalhar como garçom ou garçonete em restaurantes sórdidos para uma clientela nem um pouco simpática.

Como tudo é um jogo, vence aquele que juntar mais trocados ao final do dia.

— Às vezes, apesar da maquiagem, dá para reconhecê-los.

Os rostos são familiares e, a poucos metros de onde estão pedindo dinheiro, vêem-se estacionados seus carrões de luxo, com motoristas e seguranças – conta Knyazev, que trocou a psicologia pelo mundo do entretenimento e hoje é um empresário rico e conhecido.

No país em que a Revolução Bolchevique de 1917 aconteceu justamente para dar fim à diferença entre as classes sociais, fica cada vez maior a distância entre ricos e pobres. Estima-se em 120 mil o número de milionários na Rússia. Capital mais cara do mundo, Moscou foi eleita também a cidade que reúne mais bilionários (84), tendo passado à frente de Nova York. Na Rússia moderna, até mesmo brincar de pobre custa caro. Pelo menos US$ 5 mil por pessoa, dependendo do jogo escolhido.

— Se for barato, ninguém participa. Quanto mais caro, mais as pessoas acreditam no potencial de diversão — divertese Knyazev.

O preço da brincadeira é proporcional à adrenalina. Muitas vezes, mais do que dinheiro, é preciso ter sangue frio. Um dos jogos mais arriscados é também o mais complicado de se organizar, segundo Knyazev. Os homens vestem as suas mulheres de prostitutas e as assistem na rua negociando com possíveis clientes. O empresário afirma que há aqueles que se preocupam durante a aproximação.

Mas há ainda outros que ficam nervosos ao ver que as suas mulheres têm menos sucesso do que as de outros colegas. Vão lá melhorar o ajuste do decote ou consertar o penteado.

— A infra-estrutura para este jogo tem que ser enorme e, por isso, ele custa caro — conta Knyazev.

Para tentar minimizar os riscos, o empresário contrata seguranças e ainda mantém um carro da polícia sempre a postos.

Quando vê que o programa pode sair, a equipe de organizadores aciona a viatura policial, que acende as sirenes e manda todo mundo sair do local.

— Também não é fácil convencer os policiais. Um presente sempre resolve.

Festas nababescas para adultos e crianças Os jogos estão longe de ser a principal fonte de receita do empresário, que organiza festas nababescas em todo o país para pessoas físicas ou jurídicas. Todos os anos, sua empresa realiza um grande festival de fogos à beira do Rio Moscou para milhares de convidados de uma multinacional.

Recentemente, montou um aniversário hollywoodiano em Nice, na França.

Por incrível que pareça, foi para uma criança de 3 anos a festa de aniversário mais cara que já montou: US$ 1,5 milhão.

Transformou um terreno baldio em um gigantesco parque de diversões, com direito a labirintos, pontes, portas misteriosas e salas de gelo, em pleno verão, para apenas dez crianças e 20 adultos.

Para o terceiro casamento de um cliente, organizou um cenário cinematográfico, com celebridades e surpresas para os noivos, como o imenso bolo de luxo que vai ao chão no momento em que o garçom tropeça em fios ao cruzar o salão.

Para a alegria da noiva, que não tinha idéia do que estava acontecendo, havia um bolo reserva. Em uma festa corporativa, o primeiro participante a matar uma barata com um revólver ganhava um apartamento.

Knyazev não tem medo da crise econômica que tanto assombra os russos neste momento.

Estima-se que, de agosto até o mês passado, os homens mais ricos do país tenham perdido nada menos que US$ 230 bilhões.

— Quem realmente tem dinheiro vai poder continuar se dando a estes luxos. Tem dinheiro fora do país, por exemplo.

Talvez as empresas diminuam um pouco o tamanho das festas.


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Vidas Blindadas

Moradores de favelas violentas reforçam paredes, vedam janelas e adotam estratégias para se proteger de tiroteios

Vera Araújo

Pode chover balas no bar do alagoano Luiz Figueiredo Rocha, de 77 anos, localizado na entrada principal da Favela de Manguinhos, em Bonsucesso, que tiros de fuzil não perfuram o paredão de concreto. Quem garante é o próprio comerciante, morador há mais de 30 anos do local, que construiu seu bunker para proteger os clientes e a si mesmo. A parede passoupor sua prova de fogo no último dia 26, durante um tiroteio entre equipes da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) e traficantes.

Na ocasião, seis policiais foram feridos e vários carros ficaram perfurados.

Apesar das marcas deixadas no concreto do bar, nenhum projétil passou.

O exemplo do comerciante vem sendo seguido por moradores de áreas de risco, como a dona de um centro espírita de uma favela da Zona Norte, que pediu para não ser identificada.

Apesar da ajuda dos santos, ela resolveu dar uma mãozinha a seus protetores espirituais e também construiu muros altos de concreto. Até a caixa d’água foi protegida.

Até caixas d’água são reforçadas com aço Aliás, os reservatórios de água são alvos freqüentes durante os tiroteios. Vizinho do bar de Luiz Figueiredo em Manguinhos, um fabricante de carrinhos de mão resolveu blindar sua caixa d’água — utilizando o mesmo aço com que produz seus equipamentos —, depois de perder dois recipientes perfurados por balas.

O conjunto de favelas de Manguinhos faz parte da Faixa de Gaza carioca. Entre a pobreza quase absoluta e a situação financeira que possibilita abandonar as comunidades, há o estágio daqueles que lutam para sobreviver, ampliando seus meios de proteção, como é o caso do comerciante alagoano.

— Desde que cheguei ao Rio em 1977, com meus oito filhos, tento sobreviver aqui (em Manguinhos). Com a minha experiência de pedreiro no Nordeste, construí o paredão com meu filho. Usei mais de dez sacos de cimento. Só me arrependo de não ter fechado até em cima, onde coloquei grade de ferro — conta Luiz.

Perguntado se agora se sente seguro — a obra foi feita há dois anos —, ele diz: — Quando eu estou lá, pode chover bala. Nessa última confusão (o tiroteio de 26 de novembro), eu estava lá dentro.

Nunca ninguém foi ferido.

A parede já passou por vários testes, até o caveirão mandou bala para cima: não fez um buraco. Acho que só metralhadora .30 pode furar.

Na Cidade de Deus, a donadecasa Irani de Oliveira, de 59 anos, moradora há 25 da favela, abriu mão da luz do sol e do ar fresco. Em vez de vidros, pôs chapas de aço nas janelas. A princípio, Irani contou que a idéia foi escurecer o quarto.
Mas depois acabou revelando que foi por motivos de segurança.
A chapa de aço não lhe custou muito, pois um vizinho que trabalha com esse tipo de material fez um preço camarada.

— Foi bem barato, mas não me lembro quanto. De uma bala perdida ninguém está livre, né? Seguro morreu de velho.
Dentro de casa eu me sinto segura.
Nunca entrou bala perdida aqui dentro — conta ela.

A criatividade dos moradores de áreas conflagradas não termina aí. Famílias chegam a fechar janelas com paredes, a construir quartos dentro de outros cômodos, sem contato externo, e até a manter um refúgio fora da favela, caso não consigam entrar em casa.

O casal Fábio Lindesay e Roseni de Barros, ambos de 28 anos, tem a estratégia de fugir para a casa de uma parente. No último tiroteio em Manguinhos, eles estavam numa aula do supletivo numa escola na vizinha Avenida dos Democráticos, quando perceberam que tinham de adotar o plano de fuga. Precavidos, já estavam com os filhos Matheus, de 6 anos, e David, de 7 meses, no colégio.

— Ficamos no corredor da escola, local mais seguro, esperando os tiros cessarem. Fomos para a casa da minha irmã, na Pavuna, quase de madrugada, com duas crianças, só com a roupa do corpo — diz Roseni.

‘Sob cerco da polícia, do tráfico e da indiferença’ Um dos autores do livro “Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro”, o sociólogo Luis Carlos Fridman diz que um enorme contingente de cariocas vive no que ele denomina “contigüidade inescapável”. Na pesquisa, foram ouvidas mais de 120 moradores de favelas.

— Uma parcela enorme da população pobre ou favelada é vista como bandido ou quase bandido. Ela vive sob cerco da polícia, do tráfico e da indiferença ou do preconceito. A gente pode ser atingido por uma bala perdida, mas Imagina essas pessoas que vivem em favelas? O esforço que as pessoas fazem para preservar a própria vida é maior do que o feito por aquelas que vivem fora das favelas — analisa o professor.

Também autora do livro, a socióloga Wania Amélia Belchior Mesquita ressalta o estresse emocional de quem vive em comunidade conflagrada: — Por mais que as pessoas tentem se proteger de forma individual, isso fica aquém da possibilidade de elas terem uma vida tranqüila, com segurança.

Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), a cientista social Silvia Ramos, a proteção a mais retrata o desespero: — É uma atitude desesperada dos moradores para atingir um mínimo de segurança. Eles não têm como bancar um lugar seguro e estão criando estratégias para sobreviver.



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pichação no vazio da Bienal

Caso Caroline: algumas questões não consideradas

Curadores da 28ª Bienal, Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen acham "pesada" a prisão de pichadora, mas vêem sensacionalismo e demagogia em manifestações

IVO MESQUITA
ANA PAULA COHEN
ESPECIAL PARA A FOLHA

COM O intuito de abrir perspectivas no debate, sensacionalista e passional, criado pela imprensa em relação à 28ª Bienal de São Paulo e à prisão de Caroline Pivetta da Motta, 24 anos, nós, curadores do evento, gostaríamos de trazer algumas considerações e perguntas que nos parecem pertinentes à questão.


Primeiramente, não podemos esquecer que, ao contrário da operação noturna e silenciosa peculiar aos pichadores, o acontecimento na Bienal está longe de poder ser chamado de estético e pacífico: 40 jovens invadem o pavilhão da Bienal como um arrastão, derrubando tudo, agredindo pessoas fisicamente, com o objetivo de, segundo a convocatória pela internet de seu líder Rafael Augustaitz, pichar o segundo e o terceiro andar, destruindo todas as obras.


Foi mais um gesto peculiar deste grupo destrutivo, que, desde as invasões do Centro Universitário Belas Artes e da galeria Choque Cultural, usa a pichação como meio para apagar e danificar o trabalho dos outros artistas.


Será que o meio artístico não se dá conta do autoritarismo de tal gesto, do que ele implica de censura ao outro? Não é preocupante perceber que a tática de um ex-estudante de artes é fazer do apagamento de outros artistas um fenômeno midiático? Sim, pois a imprensa e os canais de internet foram avisados três horas antes do ataque à Bienal e estavam postados esperando pelo espetáculo! Não foi, portanto, um preenchimento do vazio ou uma resposta "em vivo contato", o que da parte da curadoria nunca supôs o uso de violência.


Não se tratou tampouco de colar stickers, fazer barcos de papel, ou tocar música no segundo andar do pavilhão -como de fato ocorreu no decorrer da mostra- mas de vandalismo agressivo e autoritário.


Por outro lado, como curadores e cidadãos republicanos, estamos de acordo de que a punição para Caroline é pesada e inadequada. Lamentamos por ela e pela sua instrumentalização por certa mídia.

Mentor de invasões
Perguntamo-nos onde estaria o mentor intelectual de tal ataque, ex-aluno do Centro Universitário Belas Artes, que expõe nome e sobrenome como autor das três invasões, e que saiu do pavilhão da Bienal prometendo continuar pichando outros museus de São Paulo?


No infeliz caso de Caroline, devemos, entretanto, reconhecer que sua condição atual é resultado de mais uma filigrana jurídica, advinda de uma interpretação estrita da lei.


Mas não é essa mesma uma característica da Justiça no Brasil, a desigualdade na sua aplicação? Não são filigranas jurídicas que mantêm criminosos condenados vivendo em liberdade sem haver cumprido suas penas? Então, ao discutirmos instituição no Brasil, parece que o problema não é apenas das instituições culturais ou da Bienal de São Paulo.


Percebe-se um esvaziamento também da justiça, da educação, da saúde. Ou ainda das políticas públicas para a habitação, o que faz com que Caroline fique detida por falta de comprovante de endereço. Contraditoriamente, o Estado não lhe assegurou uma moradia até agora, conforme se depreende da lei que a mantém na cadeia! Se Caroline possuísse um comprovante de residência, ainda haveria a questão de quem a acusa do crime que ela responderia em liberdade. O parque Ibirapuera é uma área de preservação ambiental e o Pavilhão da Bienal é um prédio tombado e monumento histórico estadual. Foi contra eles que o grupo investiu e do qual ela se tornou o bode expiatório perante a lei.

Tombamento
Desde 2003, é muito difícil para qualquer curadoria lidar com as novas leis de tombamento do edifício, pois elas têm impedido a realização de diversos projetos de artistas e obrigado todas as partes a um processo de amplas e longas negociações. Há uma lei e transgredi-la implica risco. Talvez também fosse oportuna uma discussão sobre essa legislação, que acabará por fazer do pavilhão um espaço inadequado ao caráter experimental e de laboratório que supõe uma mostra que quer dar conta das práticas artísticas contemporâneas, pois ela é muito pouco flexível para novos usos do prédio.


Se o interesse da 28ª Bienal fosse ser um espetáculo midiático e criar um discurso populista apaziguador e demagógico -o que, acreditamos, seria pouco efetivo e em nada transformador da situação em que vivemos-, certamente poderíamos ter nos utilizado do ocorrido no dia 26 de outubro para deslocar todo o debate proposto pelo projeto original da 28ª Bienal, agora realizado, para discutir a relação entre grafite, pichação e arte; arte contemporânea, educação e inclusão; cultura urbana e a questão centro-periferia em São Paulo, entre outros tópicos.


Poderíamos ter convidado os invasores a virem participar do debate, a pichar as paredes da bienal, entre outras ações populistas e instrumentalizadoras. Nossa opção foi e continua sendo a de não fazer uso do ocorrido, e muito menos da injusta prisão de Caroline, para promoção pessoal ou como plataforma política, oportunista e demagógica.


Parece-nos ainda interessante observar que enquanto o meio artístico, instigado por uma falsa polêmica, procura culpar o "vazio", a Fundação Bienal ou a curadoria da 28ª Bienal de São Paulo pela prisão de Caroline, os próprios integrantes de seu grupo foram direto ao assunto. Picharam, no último dia 5 de dezembro, a casa de um ex-prefeito, acusado de inúmeros delitos e que responde aos processos em liberdade, a seguinte frase: "Cadeia é só para pobre... Liberdade Carol. Susto's".

IVO MESQUITA e ANA PAULA COHEN foram os curadores da 28ª Bienal de São Paulo


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December 15, 2008

Bienal: reação obscurantista

Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos

Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de "danificar patrimônio tombado" é estratégia hedionda


PAULO HERKENHOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.

A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho. O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.

A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?

No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.

Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.

Debate na pasmaceira

Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.

Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".

No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.

Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?

A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos. Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança? Afinal, alguém tem que pagar...

Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.

Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição. Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.
Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista.

PAULO HERKENHOFF é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998

Folha, 15 de dezembro de 2008

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Pentágono fracassa no Iraque

Relatório detalha fracasso no Iraque

Quando reconstrução no país árabe começou a atrasar, Pentágono divulgou medidas exageradas de progresso

James Glanz e T. Christian Miller, The New York Times, Bagdá

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Um relatório federal ainda não publicado sobre a reconstrução do Iraque retrata um esforço já fracassado antes mesmo da invasão por conta do planejamento do Pentágono, feito por funcionários hostis à idéia de reconstruir um país estrangeiro, e depois transformado num equívoco de US$ 100 bilhões.

"Lições Difíceis: A Experiência da Reconstrução do Iraque" conclui que quando a reconstrução começou a atrasar, o Pentágono divulgou medidas exageradas de progresso para encobrir os fracassos. Em certo trecho, por exemplo, o ex-secretário de Estado Colin Powell é citado dizendo que nos meses posteriores à invasão de 2003, o Departamento de Defesa "seguia inventando o número de integrantes das forças de segurança do Iraque" - o número aumentava 20 mil por semana.

Entre as conclusões do relato está a de que cinco anos após ter embarcado no maior projeto de reconstrução estrangeira desde o Plano Marshall na Europa após a 2.ª Guerra, Washington não conseguiu aplicar as medidas necessárias para um programa destas dimensões. Os números relativos à produção industrial e aos serviços básicos revelam que, após todo o dinheiro gasto, o esforço de reconstrução nunca fez muito mais do que restaurar aquilo que foi destruído durante a invasão.

O relatório afirma que até meados de 2008 foram gastos US$ 117 bilhões na reconstrução. O texto traz uma lista de revelações que indicam a atmosfera caótica que permeou o esforço do trabalho. A história conclui que, após a invasão, o governo "jamais desenvolveu uma doutrina e nem uma estrutura legislativamente sancionadas para o planejamento, preparação e execução de operações de contingência nas quais figuram a diplomacia, o desenvolvimento e a ação militar".

ESTIMATIVAS EQUIVOCADAS

Na véspera da invasão, quando alguns funcionários americanos começaram a se dar conta de que o preço da reconstrução seria muito superior ao que lhes havia sido comunicado, o grau do seu equívoco foi ilustrado por um encontro entre Donald Rumsfeld, então secretário da Defesa, e Jay Garner, general nomeado para chefiar o que seria uma autoridade civil para a reconstrução. O relatório indica que Garner apresentou a Rumsfeld diversos planos de reconstrução, entre eles um que custaria bilhões de dólares, e o secretário respondeu: "Meu caro, se acha que vamos gastar um bilhão de dólares por lá, está muito enganado." Mas, antes do final daquele ano, os EUA já tinham alocado US$ 20 bilhões para a reconstrução.

Os efeitos secundários da invasão e de suas conseqüências estiveram entre os fatores mais importantes responsáveis pela mudança radical no panorama. Tabelas contidas no relatório mostram que a produção de eletricidade e petróleo, o acesso público à água potável e aos serviços de telefonia móvel e fixa foram reduzidos 70% nas semanas após a invasão.

Quando um governo iraquiano soberano assumiu o controle em junho de 2004, nenhum desses serviços - com a exceção da telefonia móvel - tinha retornado ao nível de atividade anterior à guerra.

Jamais poderemos saber se a iniciativa de reconstrução poderia ter sido bem sucedida num contexto menos violento. Em abril de 2004, aqueles milhares de membros das forças de segurança do Iraque cujo número o Pentágono havia superestimado foram sobrepujados, se amotinaram abruptamente ou simplesmente abandonaram seus postos quando teve início a insurgência, conduzindo o Iraque por uma trilha de violência da qual o país ainda não se recuperou completamente.

Estadão, 15 de dezembro de 2008

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December 13, 2008

Dá para olhar para a frente?

VERA GUIMARÃES MARTINS

Dá para olhar para a frente?

VIRE O DISCO. Mesmo com ele, o disco, já obsoleto, esse é o melhor mantra para reagir ao reducionismo que bate cartão na maioria das discussões da inteligentsia nacional. Não poderia ser diferente no debate (parte dele) sobre "Política e Cultura", o primeiro tema do ciclo de debates que comemorou os 50 anos da Ilustrada. Para quem anseia por respostas novas e discussões arejadas, a impressão é a de que o mundo passou na janela, e a academia não viu.

Uma frase dita pelo poeta e colunista da Folha Ferreira Gullar, um ex-comunista quase octogenário, resumiu bem o espírito do tempo.
O problema, disse ele, é que nós ficamos tentando resolver questões novas com instrumentos velhos.

Perfeito para o pessoal do fã-clube de Adorno & seus Horkheimers, que parece desconsiderar a revolução tecnológico-digital que está botando o mundo de ponta-cabeça e insiste em repetir automaticamente conceitos como "cultura de esquerda/direita", "indústria cultural", "arte para as massas" e chucrutes do gênero, sempre servidos conforme a receita original. Nem uma pitada de Youtube ou duas gotas de redes sociais, para atualizar.

Faz sentido ficar batendo em cultura de esquerda/direita e ditadura da indústria cultural para jovens (a maioria na platéia do debate; a totalidade nos bancos universitários) que têm acesso praticamente irrestrito a música de todos os quadrantes sem pagar um tostão para a tal indústria? (Além dos que produzem sua própria música e jogam nos ouvidos do mundo.)

Que sentido fazem idéias gastas para esse batalhão de desconhecidos que "socializa" e distribui filmes em esquema de mutirão, manuseando as obras aos pedaços em vários continentes, pegando diálogos daqui, imagens dali, traduções e legendas de lá, tudo para driblar leis que, em última instância, protegem os direitos da tal indústria?

Nesse universo, até a crítica cultural perdeu espaço; os usuários formaram sua própria massa crítica, com avaliações diretas e sem intermediários.

Todas as velhas concepções de intermediação cultural ainda sobrevivem e ganham dinheiro, mas rompeu-se o ciclo de produção/ distribuição de cultura e idéias. E, embora a exclusão digital seja tão real quanto outras exclusões, vale repetir aqui uma história narrada por Cacá Diegues. O cineasta contou ter ficado angustiado ao ser chamado para dar uma aula inaugural de cinema a jovens de uma favela carioca: o que falar a uma moçada carente até de educação formal decente? Descobriu ao se apresentar à turma: dos cerca de 140 (140!), um número entre 20 ou 30 já havia feito seus próprios filminhos. Foram eles o tema.

Folha de São Paulo, 11 de dezembro de 2008