April 29, 2018

Fortão que bota ordem na casa, Superman é acusado de ser fascista há 80 anos

Ataques mais frequentes são de que quadrinhos naturalizam violência como forma de resolver problemas 

 Rogério de Campos

RESUMO Publicado pela primeira vez há 80 anos e chegando ao número mil, o Super-Homem sempre foi acusado de ser fascista ou nazista. Os ataques mais frequentes são de que os quadrinhos naturalizam a violência como forma de resolver problemas e sugerem a necessidade de um homem forte para botar ordem na sociedade.

O editor Harry Donenfeld já subira muito na vida: décadas antes, ninguém teria dado nada por aquele malandro, membro de uma das tantas gangues juvenis do Lower East Side, em Nova York. Graças à amizade com o mafioso Frank Costello, ele ganhou bastante dinheiro com um esquema de distribuição de revistas que também servia para bebidas alcoólicas durante a Lei Seca (1920-33).

No final dos anos 1930, de olho no interesse crescente por histórias em quadrinhos —cujo mercado, à época, se restringia a coletâneas de tiras publicadas nos jornais—, Donenfeld usou sua editora, a National (que depois passou a se chamar DC Comics), para publicar o abundante (e barato) material rejeitado pelos periódicos.

Ele provavelmente nem ficou sabendo quando, em março de 1938, a editora comprou os direitos de uma HQ criada por dois nerds de Cleveland. Chamava-se “Superman” e custou US$ 130 (cerca de US$ 2.300 hoje em dia, ou R$ 7.800).
Donenfeld ficou chocado ao ver o primeiro número do Action Comics, o novo livro de quadrinhos da sua editora. A capa trazia um personagem de roupa colante e capa vermelha levantado um carro com as mãos e jogando-o contra uma rocha.



Assim como vários editores que haviam visto aquilo antes, Donenfeld achou a ideia tosca e ridícula demais até para o público infanto-juvenil. Antes de conseguirem espaço na editora National, o roteirista Jerry Siegel e o desenhista Joe Shuster colecionaram inúmeras cartas de recusa.

Para surpresa de quase todos, o sucesso foi estrondoso e duradouro. Passados 80 anos de seu lançamento, os gibis do Super-Homem ainda são produzidos; neste mês, a revista comemora seu número mil com uma edição especial.

Como uma subcultura juvenil que parecia condenada ao desaparecimento transforma-se na cultura dominante do nosso tempo?

“Na minha opinião, essa adoção de personagens inequivocamente infantis do início do século 20 parece indicar uma fuga das opressivas complexidades da existência moderna”, disse Alan Moore, muito provavelmente o maior roteirista do gênero de super-heróis.

Publicada em 2014, a entrevista ao escritor irlandês Pádraig Ó Méalóid anunciava a intenção de Moore de abandonar os quadrinhos.

“Parece que uma parte significativa do público, tendo desistido de tentar entender a realidade em que está vivendo, chegou à conclusão de que poderia, pelo menos, compreender os universos sem sentido, extensos, mas pelo menos limitados, oferecidos pela DC ou Marvel.”

Moore continua: “É catastrófico que criações do século passado, que nasceram para ser efêmeras, ocupem o palco cultural e se recusem a permitir que esta nossa era, certamente sem precedentes, desenvolva uma cultura própria, relevante e que dê conta das questões de nosso tempo”.

ATAQUES

Assim que foi criado, o Super-Homem foi condenado pela Igreja Católica, que odiou o personagem implausível, vindo do espaço para salvar os terráqueos. Num clima de pré-Segunda Guerra Mundial, a acusação inicial de paganismo logo deu lugar à pecha de fascista.

Mas houve intelectuais católicos que estudaram o Superman sob outra perspectiva. Marshall McLuhan, por exemplo, no livro “The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man” (a noiva mecânica: folclore do homem industrial, 1951), compara os super-heróis a anjos.

“Poderíamos dizer que o Super-Homem é o irmão em forma de quadrinhos dos anjos medievais. Porque os anjos, como explica Tomás de Aquino, estão acima do tempo e do espaço, mas podem agir no mundo com uma energia material sobre-humana. Como o Super-Homem, eles não precisam de educação nem de experiência, porque possuem, sem esforço, uma inteligência perfeita sobre todas as coisas.”

Por sua vez, o padre jesuíta Walter J. Ong, amigo e aluno de McLuhan, questionado pela revista Time, em 1945, foi categórico: “O Super-Homem é nazista”.

O debate estava na ordem do dia. O folclorista Gershon Legman, que não era nada católico, considerava que os problemas dos EUA eram a repressão sexual e o peso na consciência pelo massacre dos índios.

Especialista em erotismo, suposto inventor do vibrador e do slogan “faça amor, não faça a guerra”, ele via os gibis de super-heróis como uma válvula de escape, mas para o excesso de repressão sexual.
Para ele, o Super-Homem é uma apoteose provinciana do “Übermensch nazi” (super-homem nazista), e os gibis do personagem davam “a cada criança americana um curso completo de megalomania paranoica, como nenhuma criança já teve, uma convicção total na moralidade do uso da força como nenhum nazista poderia sonhar”.

O psiquiatra Fredric Wertham, autor do infame “Seduction of the Innocent” (a sedução dos inocentes, 1954) —livro que deu a base teórica para a campanha de censura aos quadrinhos nos anos 1950—, insistia que os gibis do Super-Homem e de super-heróis em geral eram aulas de fascismo para as crianças.

Garantiu que suas pesquisas haviam provado que as crianças expostas àquele tipo de publicação demonstravam “um embotamento da sensibilidade à crueldade exatamente igual àquele que caracterizou toda uma geração de jovens da Europa Central alimentada pelo mito Nietzsche-nazi do homem excepcional que está além do bem e do mal”. Wertham criou o termo “complexo de Superman” para descrever “fantasias de prazer sádico em ver outras pessoas sendo punidas várias e várias vezes enquanto você fica imune”.

A literatura antissuperfascista é ampla. As acusações mais constantes aos quadrinhos são de que naturalizam a violência como melhor forma de resolver problemas, inclusive os sociais, e, claro, de que há um autoritarismo intrínseco na ideia de ser preciso um homem forte para botar ordem na sociedade.

Como escreveu o inglês China Miéville a respeito de “Batman - O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller: “A ideia subjacente é que as pessoas são ovelhas que precisam de um pastor forte”.
Também se apontou o desprezo pelas instituições criadas em torno do voto, o elogio das autoridades não eleitas (militares, policiais, juízes), uma rebeldia juvenil contra a desordem e a promoção de novas elites.

A própria escolha de Clark Kent como contraponto ao homem de aço diz muito: fraco, covarde, intelectual incapaz da ação, alguém que jamais resolveria qualquer problema, um homem comum.
Pior que isso, Clark Kent é um homem que se submete à mulher.

Mesmo a crítica ao Estado em várias dessas HQs seria de extrema direita: o Estado surge como vilão porque, dominado por fracos e covardes, impede os seres superiores de exercer seu poder livremente.
Tais acusações não têm afetado as vendas dos gibis desse gênero. Talvez por isso não tenha havido muito esforço da indústria em respondê-las. Em geral, quando a discussão a respeito do assunto toma maiores proporções, a solução preferida é lançar ou promover super-heróis negros, ou gays, ou latinos, ou super-heroínas. Assim, enquanto responde às demandas da correção política, avança sobre um novo público consumidor. Um marketing autossustentável.

NAZISMO

De resto, os porta-vozes da indústria apenas observam que, como o Super-Homem foi criado por dois garotos judeus, não pode ser nazista. E, dado que é uma criação americana, não pode ser fascista.
Costuma-se lembrar também que Hitler e Mussolini proibiram os gibis de super-heróis. Na verdade, a legislação fascista banindo da Itália os quadrinhos americanos é de 1938, anterior à publicação dos quadrinhos do tipo.

Foi repetida mais de mil vezes a história de que Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista, teria demonstrado sua fúria contra o personagem em uma reunião no seu gabinete, batendo a mão na mesa e gritando: “Super-Homem é judeu!”.

Não há registro desse suposto gesto irascível, mas existe um texto, na edição de abril de 1940, que salta aos olhos dentre o lixo antissemita habitual do semanário “Das Schwarze Korps” (o corpo negro), da SS, a milícia nazista.

“Jerry [Siegel, coinventor do Super-Homem] olhou o mundo e viu as coisas acontecendo à distância, algumas que o alarmaram. Ele ouviu o despertar da Alemanha, a revitalização da Itália, em resumo, o ressurgimento das virtudes masculinas de Roma e Grécia. ‘Tudo bem’, pensou Jerry, que decidiu importar a ideia da virtude masculina e espalhá-la entre os jovens americanos. E assim nasceu esse ‘Superman’.”

Ou seja, a SS via o Superman como uma imitação do nazismo.

O americano Chris Gavaler, pesquisador de histórias em quadrinhos, escreveu: “O super-herói surge por causa do fascismo. Sem Adolf Hitler, jamais o Super-Homem teria conseguido chegar à capa do Action Comics em 1938. [...] Os super-heróis, paradoxalmente, defendiam a democracia com métodos antidemocráticos. Eram fascistas lutando contra fascistas”.

Para muitos, a violência e a seriedade das novas HQs de super-heróis provam o amadurecimento do gênero, mas me vem à mente a pergunta de Federico Fellini: “O que é o fascismo se não a adolescência prolongada para muito além de seu tempo?”.

É tentador analisar a espetacular popularidade dos super-heróis entre adultos hoje em dia como componente da onda conservadora que começou a engolir o mundo a partir dos anos 80. Mas e se chegarmos à conclusão de que gibis e filmes de super-heróis, mais que mero reflexo de um mundo cada vez mais autoritário e obscurantista, exercem um papel para a manutenção desse estado de coisas?

Os fanáticos religiosos e a extrema direita têm a solução deles para a literatura que consideram perigosa: as fogueiras (podem ou não incluir os autores).

As fogueiras e a censura servem à barbárie. Nossa tarefa é desfazer o triste encanto que tomou o mundo. Um encanto que nos impede de lembrar que a vida pode ser melhor do que ela é e que nós, pessoas comuns, podemos fazer a vida ser melhor do que ela é. Quando conseguirmos isso, não precisaremos mais do Super-Homem.


Rogério de Campos, 56, é diretor editorial da Veneta e autor de "Super-Homem e o Romantismo de Aço" (que será lançado em maio pela Ugra Press) e "Imageria - O Nascimento das Histórias em Quadrinhos" (Veneta).

 



April 27, 2018

Morar em favela do Rio é agravante em condenação por tráfico de drogas


Amanda Lemos , Daniel E. de Castro e Natália Portinari 



Vista da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro

No ano passado, uma carioca de 19 anos, moradora de Ipanema, na zona sul do Rio, foi pega com 300 gramas de maconha que buscara em Minas Gerais. Acusada de tráfico, ela responde ao processo em liberdade.

Cerca de um ano antes, um jovem de 20 anos, morador de Manguinhos, na zona norte do Rio, foi preso durante uma perseguição policial a traficantes do morro. Não portava drogas ou armas nem tinha passagem pela polícia —mas foi pego correndo durante a ação, segundo seu advogado.
O jovem pegou prisão preventiva e, com base no depoimento do policial presente, foi condenado a sete anos e seis meses de prisão pelo crime de associação ao tráfico.

O que afirma a sentença: “O local da prisão é conhecido como sendo de tráfico de drogas, sendo realizado por facção criminosa, no caso o Comando Vermelho”.

A Folha fez um levantamento no Banco Nacional de Mandados de Prisão, base de dados criada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

De mais de 82 mil mandados de prisão por tráfico de drogas no Rio de Janeiro, em 41% dos casos o réu era acusado ou foi condenado também por crime de associação ao tráfico. A média nacional é de 12%. Em São Paulo, de 10%.

A combinação dos dois crimes faz com que a pena por tráfico no Rio seja, em média, quase dois anos maior do que a da Justiça paulista.

“O Ministério Público pergunta ao policial: essa área é dominada por facção? Sim. Já bastou, o cara tomou mais três anos como se associado ao tráfico fosse. Isso é rotina”, afirma Emanuel Queiroz Rangel, coordenador de defesa criminal do Rio de Janeiro.




Para o defensor, a acusação dupla é uma estratégia da Polícia Civil e do Ministério Público para inviabilizar pedidos de liberdade provisória, uma vez que penas acima de oito anos são inicialmente cumpridas em regime fechado.

Um estudo da Defensoria Pública do Estado do Rio que analisou 3.745 processos de tráfico de 2014 e 2015 revela que, em 75% dos casos que somam os dois crimes, a justificativa foi o fato de o local da apreensão ser dominado por facção criminosa.

Em seguida, com 56%, vem a acusação de porte de rádio-transmissor ou de arma.
A súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio estabelece que o depoimento do policial basta como elemento de prova para a condenação criminal. Em 54% dos casos, foi a principal prova utilizada pelo juiz.

A Lei de Drogas, de 2006, trata das duas condutas em artigos diferentes. Para quem vende, a pena é de reclusão de 5 a 15 anos. Quem se associa com uma ou mais pessoas para vender está sujeito
a uma pena adicional de 3 a 10 anos de reclusão.

Pela definição legal, a associação ao tráfico se dá para a prática de crimes reiterados, não apenas em uma ação. É uma forma específica do crime de quadrilha ou bando, com uma pena maior.
Vitore Maximiano, defensor público criminal em São Paulo e ex-secretário nacional de política sobre drogas, diz que, na maioria dos casos no país, falta investigação para provar uma relação de estabilidade entre os acusados.

“Ou se tem provas da estabilidade ou não tem o crime de associação. Tem que ter uma investigação mostrando quem integra a associação, que fulano, beltrano e sicrano praticam juntos a atividade do tráfico de drogas”, afirma.

Mário Luiz Sarrubbo, subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público de SP, argumenta que, se houver um indício de associação, o dever da Promotoria é denunciar.

“No Rio de Janeiro, como há a questão dos morros, as condições geográficas colaboram para detectar essa associação. Em São Paulo, é mais difícil demonstrar porque é mais plano, a ação do tráfico é menos concentrada, usam mais crianças e mulheres”, afirma.

A reportagem procurou o Ministério Público do Rio de Janeiro por email e telefone ao longo de três semanas, mas o órgão não quis se pronunciar.

Francisco Melo de Queiroz, 31, advogado que atua na favela Pavão-Pavãozinho, diz que fica a critério da polícia dizer se há associação e se a quantidade é para uso pessoal ou tráfico. Na prática, diz, acaba a presunção de inocência.

Em casos analisados pela Folha, policiais ouvidos em um processo deram depoimentos idênticos, com as mesmas palavras, indicando que só uma testemunha foi ouvida e seu depoimento foi replicado. “Um dos indivíduos, posteriormente identificado como [nome do réu], correu para o interior de um beco segurando um saco plástico na mão. O [nome do policial] viu que [o réu] pulou a grade do portão com o intuito de chegar a laje para se evadir.”

O trecho é idêntico no depoimento de três testemunhas que relatam uma operação em favela da zona norte do Rio; muda apenas o nome do agente de polícia.

Para Joel Luiz Costa, 29, advogado que atua no Jacarezinho, na zona norte, a Lei de Drogas criou um salvo-conduto para arbitrariedade na periferia, a começar pela distinção entre usuário e traficante.
“A lei cita as circunstâncias do local da prisão e a circunstância social do réu [como critério do que é tráfico e o que é consumo], então depende pura e simplesmente do local onde você foi preso.”

O Espírito Santo é o único estado onde a proporção se aproxima da verificada no Rio. Segundo Rivelino Amaral, presidente da comissão dos advogados criminalistas da OAB local, a acusação pelos dois crimes é praxe.

“Não conheço nenhuma denúncia de processo de tráfico de drogas que não tenha combinada a associação para o tráfico, salvo se a pessoa tiver sido presa sozinha.” Ele, porém, não nota diferença de tratamento determinada pela classe social do réu ou pelo local onde houve a apreensão.


ASSOCIAÇÃO AO CRIME

O caso recente de 159 presos em festa supostamente organizada por uma milícia no Rio remete a esse entendimento de associação ao crime. A região oeste da cidade de fato tem forte presença de milícia, e a polícia tem indícios de que, entre os presos, há envolvidos com esses grupos.

A justificativa inicial para a prisão de todos que estavam no local era a de que se sabia que a festa havia sido organizada em homenagem à milícia e que só de participarem do evento já seria sinal do vínculo com os milicianos.

No entanto, o que foi inicialmente descrito como uma reunião de milicianos acabou sendo parcialmente desmontado. Parentes de presos e testemunhas apresentaram cartazes do evento, chamando a atenção para o fato de que a festa havia sido paga, segundo eles, e aberta ao público.

O Ministério Público pediu a revogação da prisão preventiva de 138 dos 159 porque diz não ter, por ora, provas para denunciá-los. O primeiro a ser solto foi o artista circense Pablo Martins, 23, liberado no último sábado (21).

Pelo menos outros 30 foram liberados nesta quinta-feira (26). A Folha conversou com três deles. Todos disseram que a festa era paga e que não havia homens armados à vista.

Entre os que foram soltos estava Alexandre Mourão. “A gente saiu para se divertir, pagou ingresso e aconteceu essa injustiça. A polícia foi agressiva com a gente o tempo todo, dando socos e pontapés.”
Advogado de um dos presos, Jorge Oliveira disse que as prisões só aconteceram porque o lugar onde acontecia a festa era longe do centro da cidade.

“Se fosse no meu prédio no Leblon [bairro rico da zona sul] eles não fariam isso.”

A polícia diz que as prisões foram em flagrante e que não foi mencionada nenhuma ilegalidade na ação. O Rio está sob intervenção federal na segurança desde 16 de fevereiro, a cargo do general do Exército Walter Braga Netto.

FOTO RICARDO BORGES


April 25, 2018

É hora de nossos esclarecidos entenderem que alguns princípios são inegociáveis


Bernardo Carvalho

 

Boa parte das pessoas esclarecidas que eu conheço insiste em me dizer que Geraldo Alckmin será presidente, contra toda a verossimilhança e contra a minha tendência de esperar sempre o pior.
Eu estava tentando me convencer disso (e já tinha até cogitado o desgosto do voto útil no segundo turno, como barreira à eventual candidatura de algum fascista declarado) quando Alckmin disse, sobre o ônibus baleado na caravana de Lula, no Paraná, que o PT estava colhendo o que havia plantado.
É difícil imaginar que, num Estado de Direito, um político, qualquer que seja, faça por merecer ser recebido a tiros. Alguns, recorrendo à calúnia, chegaram a lançar mão desse argumento para justificar o assassinato de Marielle Franco.

Alckmin voltou atrás a respeito de sua declaração sobre Lula. Suponho que depois de ter se dado conta da boçalidade e da infelicidade da frase suicida. Desde então, tento imaginar que ideia ele faz de um Estado de Direito.
Entre elas, há quem continue acreditando na herança de fazendas de café como prerrogativa para governar o país em nome da democracia. Se pudessem, como deixaram claro em acontecimentos recentes, aboliriam as eleições.

A autoimagem dessa gente é o esclarecimento. Embora muitos mal consigam terminar um livro, nunca deixaram de escarnecer do português de Lula e dos disparates de Dilma. A frase de Alckmin, entretanto, os expõe. Como é possível transigir com ela?

É claro que os nossos esclarecidos já ouviram falar de Guimarães Rosa, nem que seja apenas de nome.

No prefácio de um livro recente sobre ficção —"Les Bords de la Fiction" (as margens da ficção)—, no qual dedica um capítulo às "Primeiras Estórias", o filósofo francês Jacques Rancière escreve que vivemos "num tempo em que a medíocre ficção chamada 'informação' pretende saturar o campo da atualidade com suas crônicas surradas de pequenos arrivistas no assalto ao poder, sobre fundo de grandes relatos de atrocidades distantes".

Rancière não dá nomes. É possível que estivesse pensando em Sarkozy ou em Trump, mas, para um brasileiro, a ficção do impeachment é o que primeiro vem à cabeça —e com ela a voracidade dos nossos "pequenos arrivistas no assalto ao poder".

Por pequeno arrivista entenda-se aqui o oportunista que, em busca de votos, é capaz de assumir o discurso mais abjeto e sem-vergonha. E, no esforço de representar as mãos limpas, acaba emporcalhado.

Para os nossos esclarecidos, cujo esclarecimento se limita ao trânsito no mercado financeiro internacional, chegou a hora de entender que a política também lida com princípios —alguns deles inegociáveis, a menos que se queira viver na barbárie.

A barbárie são os irmãos Dagobé, quatro facínoras que, num conto célebre de Guimarães Rosa, aterrorizam o sertão. Eles impõem a própria lei a quem cruza seu caminho, até uma das vítimas potenciais matar o primogênito em legítima defesa.

Durante o velório, todo mundo espera a vingança dos irmãos sobreviventes. Na última hora, porém, confrontados com a presença do assassino no enterro e tendo tudo para encenar o roteiro esperado, os facínoras surpreendem com o imprevisível: reconhecem não a lei, mas o princípio da justiça. Admitem que o irmão "é que era um diabo danado" e deixam o rapaz ir embora.

A literatura, quando é para valer, trabalha contra a reprodução das convenções e do previsível. Para isso, elege princípios (nada a ver com bondade ou boas intenções).

Ela é o contrário do cinismo, mesmo quando se faz passar por cínica. Daí a indignação provocada pela impostura literária que se contenta com menos, por oportunismo, para se adequar aos tempos e ao que há.

"A literatura reafirma à sua maneira a capacidade de inventar, que pertence a cada um (...). Os que dizem que a literatura do escritor é vã, porque a gente do Sertão não a lerá, querem simplesmente dizer que ninguém deve contar histórias, que todos devem acreditar apenas no que há, aderir ao que existe", escreve Rancière sobre Guimarães Rosa.

Acreditar apenas no que há, aderir ao que existe, adequar-se ao que resta de mais arcaico no Brasil, qualquer que seja a desculpa, é de fato apostar no pior. Não é bom na literatura nem na política.

Bernardo Carvalho

April 24, 2018

O que pensam os eleitores de Lula



Eleitores de Lula não querem plano B, só 'plano L', e apontam falhas na esquerda

Folha convidou dez moradores de SP, de evangélica a ateu, dos 21 aos 62 anos, para falarem sobre por que apostam no PT 

Anna Virginia Balloussier Thaiza Pauluze

Não existe plano B ou C. Só existe “plano L”. L de Lula.

No último dia 12, cinco após a prisão do ex-presidente, a Folha reuniu dez eleitores do petista em São Paulo para debater perspectivas para a eleição e o futuro do lulismo. Todos dizem que não arredam pé de apoiar Lula naquela que, se a Justiça permitir sua candidatura, será sua tentativa de reaver a faixa presidencial —conquistou-a em 2002 e 2006 depois de três tentativas frustradas.
Admitir uma alternativa ao ex-presidente, diz o advogado Geovani Doratiotto, 28, “é acreditar que o que aconteceu com Lula é o correto, o justo”. E isso o grupo não está disposto a tolerar —fiel depositário do slogan esquerdista “eleição sem Lula é fraude”, ainda que a cúpula do PT discuta nos bastidores o que fazer caso ele seja impedido de disputar o pleito em outubro.

Mas o campo progressista precisa ficar esperto, “pois tem um pouco de dificuldade de sintetizar seu discurso e não conversa com o grande público”, afirma a educadora social Rachel Daniel, 22. A direita é boa de bordões que colam no povo, vide “bandido bom é bandido morto”, exemplifica a evangélica da zona leste paulistana. “A esquerda, quando vai rebater, não tem uma frase midiática.”



Encontro com eleitores de Lula na Redação da Folha
Encontro com eleitores de Lula na Redação da Folha - Karime Xavier/Folhapress
Os dois maiores espinhos judiciais contra Lula, o sítio em Atibaia (ainda em julgamento) e o tríplex no Guarujá (que lhe rendeu, na segunda instância, 12 anos de prisão) são tratados como “falhas mínimas” perto do que se vê em Brasília. Se Lula tombar por conta deles, a Justiça vestirá de vez a carapuça política, mandando a isenção que se requer dos togados às favas, afirmam seus apoiadores.
É uma turma heterogênea. O caçula Alexandre Leone, 21, sequer trocou o DDD para o 11 paulistano no número de celular: o soteropolitano já bacharel em Humanidades chegou há um mês à capital do estado para estudar na Faculdade de Direito da USP, por onde já passaram 13 presidentes (Michel Temer entre eles) e petistas como Fernando Haddad.

Decano, o servidor público Paulo Giovanetti, 62, se introduz como “um caipira de Mariápolis [SP]”. Sua formação política coincide com a de Lula: os dois trabalharam na Aço Villares, em São Bernardo do Campo.

Em entrevista à revista Veja em 1979, o torneiro mecânico de 33 anos apostava que a fábrica o demitiria por desgostar de sua ascensão como líder sindical, e sua esposa, Marisa Letícia (1950-2017), o acalmava: “Se for preciso, eu trabalho de faxineira. Nós não temos medo do futuro”.
A exaltação de programas sociais como o Bolsa Família é unânime. No grupo, tem os que de fato recorreram a eles em algum momento da vida. Caso da engenheira agrônoma Mariana Martins, 33. Primeira universitária de sua família, ela conta que sempre precisou de assistência do governo, até para ir ao dentista.

Os parentes, diz, não deram crédito a Lula, e sim “à meritocracia” por suas conquistas. “Hoje são viúvas de Aécio Neves” (o tucano derrotado pela petista Dilma em 2014).
E tem também o estudante de direito Gabriel Berê Motta, 23, “típico paulistano de classe média”, que estudou no “ultratradicional Dante Alighieri” (hoje, a mensalidade beira os R$ 3.600 para o ensino médio).

“A minha percepção veio da minha criação. Meu pai tem origem mais humilde, é do interior de Minas, uma cidade muito pobre.” Ao contrário da família de Mariana, a sua associa a bonança social ao lulismo, diz.

O temor pelo futuro do PT e de seu ícone encarcerado é um cálice que eles tentam afastar. “Dá pra sentir que [a prisão de Lula] poderia ter sido a última pá, mas jogaram uma pedra na colmeia”, diz a professora da rede municipal Luciana Nascimento, 39. “Deu sangue no olho da esquerda, foi até bom para unificar.”

O que também os uniu: quase todos fizeram a mesma piada ao ver na mesa os sanduíches à disposição. Lembraram de uma certa iguaria atribuída à militância vermelha. “Não tem de mortadela?”

A Folha ficou devendo essa.

Lula até o fim

O grupo se nega a discutir um substituto caso o nome do ex-presidente fique de fora das urnas. “Falar agora que tem plano B só tem duas consequências”, afirma Gabriel.
Uma delas seria “naturalizar a condenação de Lula”, vista por ele como injusta.


A segunda: colocar na linha de fogo outros quadros do partido. Mais visíveis, os candidatos estariam vulneráveis a pedradas político-judiciais dos oponentes. Chegada a hora, Lula mostrará seu capital político, seja livre ou atrás das grades, aposta Paulo. “Mesmo preso, ele elege até poste.”

Herdeiros 

Seria bom ter uma frente de esquerda para não fragmentar o voto em outubro —mas desde que o partido de Lula encabece a chapa presidencial, dizem os eleitores. “O PT é estruturado, tem proposta”, afirma a funcionária pública Sandra Birman, 56.



Ato com Lula, Guilherme Boulos e Manuela D'Ávila
Ato com Lula, Guilherme Boulos e Manuela D'Ávila - Marlene Bergamo - 28.mar.2018/Folhapress
A questão posta: para 2018 ou depois, quem melhor cuidaria do espólio lulista? O líder do MTST e presidenciável do PSOL, Guilherme Boulos, é benquisto —mas calma que a hora dele ainda vai chegar.

Ao discursar horas antes de ser preso, o ex-presidente afagou o “companheiro da mais alta qualidade”. “Eu digo ‘menino’ porque ele só tem 35 anos, e, quando eu fiz a greve de 1978, eu tinha 33 anos e consegui chegar a criar um partido e virar presidente. Você tem futuro, é só não desistir.”
Para Mariana, Lula foi claro sobre Boulos: “Ele é o que mais representa o Lula. Mas igual o Lula não existe. A sinalização é: você comece, mas a sua hora não é agora”.

O grupo discutiu dois petistas ventilados como possíveis candidatos caso o “plano L” caia. Citado pela Folha, o ex-governador Jaques Wagner foi virtualmente ignorado. Só o conterrâneo Alexandre se manifestou, para reconhecê-lo como “Lula da Bahia”, tamanha sua influência local.
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, foi recebido com frieza. Ótimo gestor, vários na mesa reconhecem. Mas não teria o que é preciso para uma eleição nacional, sobretudo uma tão imprevisível quanto a de 2018. “É um intelectual à frente do seu tempo, só que tem limitações de todo intelectual”, diz Geovani.

Sandra pega carona: ela gosta de Haddad, mas acha que ele “não está onde o povo está”. Ela menciona um amigo —assessor de um influente petista— que dizia: “[o Haddad] não se reelege, não faz o que tem que fazer em termos de política. Mas talvez mude, é um cara novo”.

Ciro

“Ciro Gomes aposta que PT correrá para seus braços para evitar fiasco eleitoral”, dizia a notícia da colunista da Folha Mônica Bergamo no mesmo dia em que os eleitores de Lula foram à Redação. Bom, se depender deles, o presidenciável do PDT está em apuros.



Ciro Gomes em encontro de presidenciáveis em Porto Alegre
Ciro Gomes em encontro de presidenciáveis em Porto Alegre - André Feltes - 9.abr.2018/Folhapress
Primeiro porque Ciro nem é tão de esquerda assim, dizem. “Não consigo confiar que é de esquerda. Por que não quer se associar [a Lula]?”, questiona Mariana. Ela sintetiza um incômodo do grupo: a distância que o pedetista vem mantendo do ex-presidente —ao se recusar, por exemplo, a assinar manifesto em seu favor. Boulos e Manuela D’Ávila (PC do B), outros candidatos no espectro canhoto, o fizeram.

Paulo vê um movimento pragmático: se quiser ser competitivo, Ciro precisa alcançar também aqueles avessos ao ex-presidente. “Ele é raposa velha, não ia se queimar.”

Para Luciana, “não dá pra ficar em cima do muro”. O que o ex-ministro de Lula faz, diz, “é um pouco abraçar o discurso da direita, de que de repente não foi golpe, que Lula preso é justo”. Mas uma bola dentro Ciro deu, afirma o estudante de administração Nicholas Novaes, 22. “Gostei dele a partir da última semana…” Refere-se ao “pescotapa” que o pedetista deu, em Porto Alegre, num blogueiro do MBL conhecido pelo canal “Mamãe Falei”.

Efeito Bolsonaro

O segundo turno, para o grupo, reprisará o embate que se repete desde 1994: o candidato do PT vs. o do PSDB (Geraldo Alckmin, no caso).

Mas Jair Bolsonaro assusta. Pode ser “um acidente de percurso”, tal qual Donald Trump nos EUA, diz Paulo. Para Alexandre, “a candidatura dele é um termômetro de como está o protofascismo no país”.

“Imagina ele num debate com Ciro”, propõe Mariana, prevendo um duelo trovejante, dado o temperamento dos dois. “Bolsonaro é alguém que não podemos desprezar”, afirma Luciana. Ela conta que muitos amigos evangélicos vão marcá-lo nas urnas, pois olham da direita de Alckmin à esquerda de Lula e só veem candidatos chamuscados por denúncias de corrupção.

Avistam uma exceção no capitão da reserva —católico que aceitou o batismo evangélico nas águas do israelense rio Jordão enquanto o Senado decidia o prosseguimento do impeachment de Dilma, em 2016. “Tenho uma amiga evangélica que é ‘coach’ em comunicação não violenta e vai votar no Bolsonaro”, diz Luciana.

Preconceito

Vestir a camisa do PT, literal ou figurativamente, não é fácil em tempos de antipetismo. A maioria se diz hostilizada pela predileção partidária.

Rachel, por exemplo, vem de “uma família de direita”. O avô foi secretário numa gestão tucana em Santo André. “Cresci num ambiente em que petista é vagabundo, bandido, tem que morrer. Na igreja, fui pendendo para esquerda, enquanto aprendia sobre moral cristã. Para mim, o que mais se aproxima da ideologia da Bíblia é o movimento de esquerda”, afirma a evangélica.

Quando entrou no partido, “foi uma treta enorme na família”. Ouvia da parentada: “Deixa ela, ela sabe o que acontece com quem se filia ao PT na família’”. Rachel é prima de segundo grau de Celso Daniel, ex-prefeito petista de Santo André assassinado em 2002.

“Sou massacrada no Facebook diariamente, é incrível o ódio das pessoas”, conta a psicóloga Nádia Martins, 55. E revida? “Brigo [nas redes sociais] no sentido de informar as pessoas”, diz ela, que se afeiçoou ao PT na adolescência, após “cair na minha mão ‘A Queda para o Alto’”. O livro narra a história de uma interna da Febem (atual Fundação Casa) protegida pelo petista Eduardo Suplicy.
Em casa, só Nádia é PT. O marido anula o voto, e os filhos “são em cima do muro”. O voto da prole em 2014, diz em tom de lamento, “acho que foi na direita, infelizmente”.

Carrascos do PT

Revezando-se como carrascos do lulismo: o juiz Sergio Moro, a elite brasileira, a mídia golpista, o mercado.

Todos acham que existe uma conspiração americana que influencia a política brasileira. Gabriel exemplifica: o WikiLeaks, conhecido por vazar documentos secretos, divulgou em 2015 como a Agência Nacional de Segurança dos EUA grampeou telefones da então presidente Dilma.
O grupo reclama que a mão da Justiça tem peso de chumbo para o PT e de pena para seus opositores. A Lava Jato é tudo menos imparcial, concorda a turma. “Todo combate à corrupção é bom, mas quando usa artifícios para perseguir politicamente, aí as coisas se desvirtuam”, diz Geovani.
Alexandre questiona se a “ideologização [do combate à] corrupção” não acaba relegando a segundo plano “o maior problema do Brasil, que é a desigualdade social”. A lógica seria: dê um boi de piranha para passar a falsa ideia de faxina ética. “Demoniza-se alguém e fica por isso mesmo”.
“Tem até aquela brincadeira: para [o tucano José] Serra ser investigado, tem que se filiar ao PT”, afirma Gabriel.

Prisões de caciques do MDB, como Sergio Cabral e Eduardo Cunha, não apaziguam a desconfiança com a Lava Jato. “Tenho minhas dúvidas de que Cunha está mesmo preso”, diz Mariana, levantando a suspeita de que o encarceramento no Paraná do ex-presidente da Câmara é uma farsa.
Luciana diz que a mesma elite que hoje parece ter criado alergia a Lula já lhe foi muito grata quando recebia benesses econômicas do governo do PT. Ela lembra do momento em que o próprio ex-presidente falou disso, em seu discurso pré-cadeia: “Os de gravatinha, que iam atrás de mim, agora desapareceram. Estão comigo aqueles [...] que comiam rabada aqui no Zelão”.

Mídia

Uníssono é o desprezo pela mídia tradicional —veículos como Folha, O Estado de S. Paulo, o Grupo Globo—, embora alguns até admitam se informar por meio dela. Outros só acessam “sites amigos”. Sandra cita seus favoritos, o Diário do Centro do Mundo e o GGN. Elogiada por todos: a revista Carta Capital, que fez uma edição especial após a prisão de Lula, com o título “o mártir e os bons amigos” e uma chamada dizendo que o petista foi “preso pela inquisição”.

A grande mídia é vilã aos olhos de Sandra, que vê seletividade na escolha de fotos e manchetes antipáticas ao PT.

“Quando é o pato [da Fiesp] lá”, num ato da direita, o destaque é maior, diz. “Aí mostram a avenida Paulista lotada.” Se for manifestação da esquerda, “uma Paulista meio assim, fotografada de um ângulo” pouco favorável, afirma ela.

Se a direita tem se mostrado mais apta em lotar ruas, não foi um movimento espontâneo, diz Mariana. “A mídia teve um papel grande nisso, tinha chamada na Globo [dizendo que os atos aconteceriam]. Muita gente ia pro oba-oba. Nos protestos de esquerda tem menos gente, mas com mais palavra de ordem.”

Julgamento

Ok, eles reconhecem: Lula cometeu “falhas mínimas”, como diz Sandra. Mas nada justifica, para seus eleitores, o escarcéu judiciário feito em torno dele. Ainda em julgamento, a reforma no sítio de Atibaia, que o Ministério Público diz ter sido paga pelas construtoras Odebrecht e OAS, é apontada como um caso mais sólido do que o tríplex no Guarujá —que já rendeu dupla condenação para Lula (por Moro e ratificada, com ampliação em dois anos e sete meses da sentença, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

“De quantos presidentes a gente conhece o patrimônio? A gente sabe que o FHC tem um apartamento em Paris”, diz Geovani. Em recente entrevista à Folha, o tucano falou sobre seu suposto endereço francês: “Fiquei no apartamento de uma amiga que dizem que é meu até hoje”.

Lula não é tão santo assim, pondera Paulo, contemporâneo do petista em seus tempos de metalúrgico do ABC. “O sonho de um operário da indústria automobilística é uma casa no campo, na praia. Acredito piamente que ele cedeu a esse desejo. Acho que ele deixou se seduzir, sim.”
Para Sandra, não dá para comparar os pecados de Lula com os da maioria da classe política. “No PSDB, no MDB, a pessoa tropeça e cai numa conta, numa mala de dinheiro. Mas por que [o ex-presidente] faria isso, uma besteirinha, sabendo que é tão visado?”

Rachel indaga o porquê de “ficar discutindo uma coisa que não tem importância”, o sítio. “O que vem ao caso é que não tem base nenhuma para o julgamento [do petista]. O Moro conseguiu o trofeuzinho dele: prender o Lula.”

Falhas do PT

O PT errou? Errou, aceita o grupo. Mas não pelos motivos que o levaram ao cárcere. O maior tropeço, segundo Gabriel, “foi Lula não ter aproveitado uma aprovação de mais de 80%”, a certa altura de seu duplo mandato, para fazer reformas como a tributária, elevar impostos para mais ricos. A mesa levanta mais desperdícios, como não ampliar a reforma agrária e regulamentar a mídia.
“O problema foi não terem se voltado à militância, à educação política. Hoje viramos reféns da Escola sem Partido, com professores sendo atacados porque qualquer coisa acham que estão difundindo o comunismo”, diz Sandra. “Só encontro um pouco de sanidade na esquerda. Ela tem ética, não é fábrica de ‘fake news’. A direita usa qualquer arma. Se eu vir ‘fake news’ de esquerda, vou ficar revoltada.

A guerra das narrativas, para Luciana, vem favorecendo a direita. “Não sei se eles usam melhor as redes sociais, mas  a esquerda nunca está pronta pra rebater. Eles estão unidos. Quando pensa na esquerda é diferente: PT aqui, PSOL ali... Não consegue ver um bloco.”

Só que o momento não é de focar na autocrítica, dizem. “Tenho críticas ao Lula, ao PT, mas, com essa realidade tão polarizada, virei defensora, até me filiei ao partido, no ano passado”, afirma Sandra. Emenda ariana: “Estamos tomando lenha lá em cima, mas aqui embaixo só cresce”.

Por que eles querem Lula

1 Lula é visto como o político que mais fez pelos pobres e minorias no país; seus programas sociais são exaltados pelos eleitores
2 O petista é, segundo eles, a resposta para o crescimento do fascismo no país, representado na figura de Bolsonaro, mas também em Alckmin, considerado maior adversário de Lula na disputa
3 O endurecimento do discurso de Lula é, para os eleitores, uma sinalização de que, se eleito, o petista não fará novamente um pacto
político com as elites
4 As denúncias contra o ex-presidente são minimizadas como sendo um pequeno descuido comparado aos milhões atribuídos a outros políticos
Os discursos de que a Lava Jato, Justiça e a mídia perseguem Lula foram inflados com a sua prisão. Para os eleitores, o sentimento de injustiça deu novo fôlego à pressão para que o petista possa ser eleito
6 A guerra de discursos na internet também reacendeu a defesa da candidatura do ex-presidente e tirou o foco da autocrítica, apontam os eleitores
7 Seus admiradores negam que o PT deva adotar um plano B. Para eles, a candidatura deve ser mantida mesmo com Lula preso e com poucas chances de estar nas urnas em outubro
Admitir outro nome para disputar o pleito seria aceitar a condenação de Lula e colocar outro petista na mira de uma perseguição político-judicial, afirmam os eleitores

 

 

April 23, 2018

Schumer introduces measure to decriminalize marijuana

  • by John Wagner, David Weigel, www.washingtonpost.com
  • Abril 20º, 2018




  • The Senate’s top Democrat announced Friday that he is introducing legislation to decriminalize marijuana, the first time that a leader of either party in Congress has endorsed a rollback of one of the country’s oldest drug laws.

    Senate Minority Leader Charles E. Schumer (D-N.Y.) in a statement called the move “simply the right thing to do.”

    “The time has come to decriminalize marijuana,” Schumer said. “My thinking — as well as the general population’s views — on the issue has evolved, and so I believe there’s no better time than the present to get this done. It’s simply the right thing to do.”

    Schumer first shared his intentions Thursday in an interview with Vice News Tonight on HBO, in which he decried the negative effects of current marijuana laws, under which the drug has the same legal classification as heroin. He said too many people caught with small amounts of marijuana had spent too much time in jail and that current laws have had a disproportionate effect on minority communities.

    Marijuana legalization, which spent years as a fringe political cause, has become increasingly popular with all voters and increasingly embraced by Democrats. In January, the Pew Research Center found 61 percent of Americans supportive of legalization, with support reaching 70 percent among millennials.

    Last year, Sen. Cory Booker (D-N.J.), who is seen by many Democrats as a potential presidential candidate in 2020, introduced the Marijuana Justice Act, which would legalize the drug nationwide; it was later endorsed by Sen. Ron Wyden (D-Ore.), whose state legalized marijuana in 2015, and Sen. Kirsten Gillibrand (D-N.Y.), who is also seen as a potential presidential contender. Sen. Bernie Sanders (I-Vt.), who endorsed a marijuana-legalization initiative in California during his 2016 presidential campaign, endorsed Booker’s bill Thursday morning.

    Schumer is introducing separate legislation on Friday — a date that is an unofficial holiday for marijuana users. His bill would not legalize marijuana outright, but instead allow states to decide whether to make the drug available commercially. It would end the limbo that marijuana sellers find themselves in, months after Attorney General Jeff Sessions rescinded Obama-era guidance that prevented federal law enforcement officials from interfering with the marijuana business in states where it had legal status.

    “The bill lets the states decide and be the laboratories that they ought to be,” Schumer said. “It also will ensure that minority- and woman-owned businesses have a dedicated funding stream to help them compete against bigger companies in the marijuana business. Critically, we ensure that advertising can’t be aimed at kids, and put real funds behind research into the health effects of THC,” referring to the primary psychoactive substance in marijuana.

    The legislation would also maintain federal authority to regulate marijuana advertising in the same way it does alcohol and tobacco advertising. The aim, Schumer said, is to ensure that marijuana businesses aren’t allowed to target children in their advertisements.

    Schumer’s move was quickly celebrated by legalization supporters, who began the week by thanking Senate Majority Leader Mitch McConnell for fast-tracking a bill that would legalize industrial hemp.

    “In the past week or so we’ve seen an unprecedented escalation of political support for marijuana law reform,” said Tom Angell, chairman of Marijuana Majority. “It seems as if both parties may have finally realized just how popular marijuana legalization is with voters and are afraid of the other party stealing the issue.”

    Democrats see the Schumer bill as part of an ongoing effort to attract young voters, who tend not to participate in midterm elections. Schumer has also gotten behind a campaign to restore “net neutrality,” regulation that would prevent Internet service providers from skewing the prices or download speeds for certain kinds of data.

    “The time for decriminalization has come, and I hope we can move the ball forward on this,” Schumer said.

April 21, 2018

Lula Falls, and Brazilian Democracy Looks Shakier


  • By Jon Lee Anderson, www.newyorker.com
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    We live in a world where it is no longer shocking to learn that major heads of state—Vladimir Putin, Donald Trump, Rodrigo Duterte, Benjamin Netanyahu—are under suspicion for having misused the power of their office, although none of these has yet been formally charged with any wrongdoing. In Latin America, on the other hand, a slew of sitting and former Presidents have been swept up in corruption scandals, a number have been investigated and indicted, and several have gone to jail. Last month, in Peru, Pedro Pablo Kuczynski resigned rather than face impeachment over corruption allegations, and his predecessor, Ollanta Humala, is in jail awaiting trial for alleged corruption. Ricardo Martinelli, the former President of Panama, has been in jail in Miami since June, pending extradition on corruption charges. El Salvador’s former President Antonio Saca is in prison on charges of embezzling public funds, while his predecessor, Francisco Flores, died, of a cerebral hemorrhage, while under house arrest pending his trial. (Flores was accused of having diverted, to his own pocket, several million dollars in foreign aid intended for earthquake victims.) In neighboring Guatemala, two former Presidents, Álvaro Colom and Otto Pérez Molina, are also facing trial, also for corruption. Others, accused of a variety of crimes, mostly bribery or embezzlement of public funds, are fighting in the courts, while a couple—Alejandro Toledo, of Peru, and Mauricio Funes, of El Salvador—have become fugitives, living in the United States and Nicaragua, respectively.

    Latin America’s politicians, in other words, are not scoring very well in the honesty game, but perhaps it can at least be said that the justice system is prevailing in their countries. Or is it? In some instances, the evidence for the alleged corruption is clear, but in some it is not, as in the case of Kuczynski, where there was no clear proof of guilt but he was forced to resign after his political enemies launched a concerted campaign against him. There is a similar sense of a political vendetta at work in the case of the former Brazilian President Luiz Inácio Lula da Silva. On Saturday, amid high drama and widespread protests by his supporters, Lula, as he is known, who is seventy-two, turned himself in to begin serving a twelve-year prison sentence on corruption charges, after the Supreme Court denied his appeal for a writ of habeas corpus. Lula, who led Brazil from 2003 to 2011, as the head of the left-wing Workers’ Party, which he founded, is not only one of the most charismatic public figures in Latin America but is still the most popular politician in Brazil. He was planning to run for the Presidency again, and, according to the polls, if elections were held tomorrow, he would win by a wide margin. But the elections are scheduled for October, and, with his imprisonment, Lula is, most likely, out of the running.

    On Saturday, after a daylong standoff at a steelworkers-union building in São Paulo, Lula told his supporters, “I will comply with the order, and all of you will become Lula. I’m not above the law. If I didn’t believe in the law, I wouldn’t have started a political party. I would have started a revolution.” He joked that he had been “born with a short neck so that I can keep my head high.” Then he agreed to surrender to the authorities.

    Lula has denied any culpability in the case he has been sentenced for, a tangled affair involving a seaside apartment that he is said to have intended to buy at a favorable price from a developer. There are other cases pending, including one involving improvements to a ranch where Lula sometimes stays. His arrest has made him the latest and highest-profile figure to fall in Brazil’s all-singing, all-dancing corruption investigation, called Operação Lava Jato, or Operation Car Wash. For the past several years, the crusading judge Sérgio Moro—who also ordered Lula’s surrender—and a team of investigators and prosecutors have overseen Operação Lava Jato from the southern city of Curitiba. Hundreds of people have been arrested for their alleged involvement in bribery schemes operated out of the state-owned oil company, Petrobras, by executives of the construction giant Odebrecht, and at several other major Brazilian firms. Some of the former Latin American Presidents who are currently in jail, including Panama’s Martinelli, were fingered by Odebrecht officials for taking bribes in exchange for lucrative contracts.

    Whatever the truth of the charges against him, Lula deserves credit for having transformed the economy of his vast, unequal country, lifting as many as forty million Brazilians out of dire poverty. Many of his loyalists believe that a vendetta against him began in earnest in 2016, when the National Congress, controlled by right-wing opponents of the Workers’ Party, impeached his protégée and successor in office, President Dilma Rousseff. The impeachment of Dilma, as she is known, came after massive public protests were staged against her government, in the wake of the Lava Jato revelations about the Petrobras corruption, in which several senior government officials were implicated. Dilma, however, was not accused of personal corruption. Her impeachment, as I wrote at the time, was initiated for much more abstract transgressions, consisting of “doctoring official budget figures and using money from state banks in order to hide the real state of Brazil’s shrinking economy, so as to help her win reëlection, in 2014.” In one of the episode’s many bitter ironies, Eduardo Cunha, the president of the Chamber of Deputies and the leader of the impeachment campaign, was himself found guilty of taking more than a million dollars from Petrobras. Last year, he was sentenced to fifteen years in prison.

    It also emerged that Michel Temer, Dilma’s former Vice-President, a right-of-center coalition partner who replaced her in office, had conspired against her with members of Congress. Two years on, there is no doubt that Brazil’s government has veered sharply to the right, with Temer’s government seeking to push through bills to reduce protections for Brazil’s indigenous peoples and wilderness areas, to pave the way for new mines and other extractive industries.
    Temer, too, has been implicated in corruption schemes, and last year he was formally charged with receiving five million dollars in bribes. His popularity is said to be at around seven per cent—the lowest for a Brazilian President in three decades. But Temer remains in office, for the simple but powerful reason that his allies control a majority of seats in Congress, where they have already thwarted several attempts to impeach him and to have him tried by the Supreme Court—as Lula was this past week. Meanwhile, more than half of Brazil’s legislators are under some sort of investigation.
    There seems little doubt that Brazil will be a more divided place after this week. It is certainly a very different nation from what it was when Lula was hailed as the leader of one of the world’s emerging economic powers—known as BRICs (Brazil, Russia, India, and China)—seemingly ready to take its place on the world stage. Many Brazilians recall with pride the moment, in 2009, when Barack Obama, recently sworn in as President, shook Lula’s hand and said, “This is my man, right here. I love this guy.”

    But, then, it is a very different world from what it was then. Brazil was the powerhouse in a Latin America that was at the height of the so-called Pink Tide of leftist governments. With Hugo Chávez in Venezuela, Néstor Kirchner in Argentina, Pepe Mujica in Uruguay, Rafael Correa in Ecuador, Evo Morales in Bolivia, Daniel Ortega in Nicaragua, and Michelle Bachelet in Chile, there was a sense that the region’s leftists had, for better or worse, turned some kind of corner. They were a mixed bag, but, with Lula, a pragmatist, at the helm in Brazil, there was a sense of promise that somehow socialism and capitalism could find functional synergies, and coexist in the region. Today, most of the Pink Tide’s original leaders are either dead or out of power, and, with only a couple of exceptions—including Venezuela, which, under Chávez’s successor, Nicolás Maduro, is in complete meltdown—the region is now in the hands of political conservatives.

    Much of Lula’s social achievement may now be at risk. In an echo of what is taking place in the United States, Brazil is a country that is polarized between its liberals and its conservatives, and the latter have shown themselves to be determined, in as many ways as possible, to roll back the reforms that Lula and Dilma instituted. It is worth noting that, after Lula, one of the most popular politicians in the country, and a candidate in the upcoming Presidential elections, is Congressman Jair Bolsonaro, a right-wing former Army parachutist, who is a champion of the military dictatorship that ruled Brazil from 1964 to 1985. When Bolsonaro cast his vote against Dilma in the impeachment proceedings, he did so in the name of an officer who was responsible for the unit that had tortured her after arresting her when, as a young woman, she was a member of an underground leftist group.

    In other changes, a conservative televangelist, Marcelo Crivella—who is, among other things, a creationist and homophobe—is now the mayor of freewheeling Rio de Janeiro. Earlier this year, in an agreement with Temer, he decided to tackle the city’s gang problem by deploying the military in the favelas. The most notable incident of the crackdown so far, however, has been the targeted shooting of Marielle Franco, a thirty-eight-year-old city councillor. A socialist and feminist, the outspoken Franco was a vocal critic of the military intervention as well as of extrajudicial killings carried out by police in the city’s favelas.

    Brazil’s military has recently begun to make its presence felt in others ways. A few days before the Supreme Court issued its final verdict against Lula, the commander of the Army issued blustering public statements about how it was necessary for “an end to impunity,” making it clear that he wanted to see Lula in jail. Then, on Saturday night, as federal police prepared to fly Lula to Curitiba, where he was to begin serving his sentence, voices on the military’s radio frequency were recorded telling the pilots to “throw that garbage out the window.” In such ways—and with Lula in jail and Temer in the Presidency—it doesn’t feel as if anything close to justice has been done in Brazil, and that the battle lines are being drawn for confrontations to come.

Após prisão de Lula, democracia está suspensa até que o campo popular decida o que fazer

André Singer

Houve um visível esforço daqueles que foram simpáticos à prisão do ex-presidente Lula, sábado passado, em demonstrar a ausência de comoção das massas. De fato, a vida cotidiana seguiu. No entanto, a democracia está suspensa até que o campo popular decida o que fazer. Nesse sentido, o principal ícone do lulismo, mesmo detido em Curitiba, ainda guarda importantes cartas na manga.
Dadas as características da sociedade e da política brasileira, o tira-teima da crise se dará na eleição de outubro. Nela, finalmente, a população vai dizer o que pensa a respeito do que vem acontecendo desde 2015. O problema está em saber como representar, na provável hipótese de Lula não poder ser candidato, o polo popular na disputa.

Sem a presença desse contraponto, a política como instância de mediação dos conflitos e, portanto, a democracia, fica anulada.

Aliás, é o que desejam os que foram às ruas clamar para Lula ser preso, mas não o fizeram quando a Câmara votou as denúncias contra Michel Temer nem quando, esta semana, a Procuradoria-Geral da República decidiu enviar o processo contra Geraldo Alckmin para a Justiça Eleitoral, livrando-o da Lava Jato.

Resta claro que a corrupção não é o motivo principal desses manifestantes, mas impedir Lula de seguir na política. Na realidade, trata-se de um veto a que a liderança individual mais competitiva do país possa se apresentar. Imaginam que, assim, desaparecem as chances de vitória de alguém que deseje falar pelos pobres.

O problema agora, na hipótese de Lula continuar preso, é construir uma alternativa democrática e popular para o pleito de outubro sem a presença ativa do seu principal dirigente das últimas décadas.
Até aqui, apesar da inédita unidade entre setores de esquerda, representada pela presença de Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila no dia da prisão do ex-presidente, o quadro é de desorganização.

A ausência de um candidato do PT, na iminência de Lula ser impedido de concorrer, a posição esquiva de Ciro Gomes e a eventual candidatura de Joaquim Barbosa pelo PSB, tudo isso tende a confundir o eleitorado.

Urge construir um diálogo que coloque em sintonia as diversas iniciativas, todas legítimas, em curso entre os partidos progressistas. O manifesto conjunto lançado pelas fundações de estudos do PT, PDT, PSB, PSOL e PC do B, dois meses atrás, constituem um bom ponto de partida. Reconstrução da democracia e novo projeto nacional de desenvolvimento são os seus pontos principais.

Na ausência de um acordo capaz de forjar uma candidatura competitiva, que possa substituir Lula em caso de impedimento definitivo, a direitização do Brasil vai continuar.

April 20, 2018

The Law Is Coming, Mr. Trump



Why don’t we take a step back and contemplate what Americans, and the world, are witnessing?

 arly Monday morning, F.B.I. agents raided the New York office, home and hotel room of the personal lawyer for the president of the United States. They seized evidence of possible federal crimes — including bank fraud, wire fraud and campaign finance violations related to payoffs made to women, including a porn actress, who say they had affairs with the president before he took office and were paid off and intimidated into silence.

That evening the president surrounded himself with the top American military officials and launched unbidden into a tirade against the top American law enforcement officials — officials of his own government — accusing them of “an attack on our country.”
Oh, also: The Times reported Monday evening that investigators were examining a $150,000 donation to the president’s personal foundation from a Ukrainian steel magnate, given during the American presidential campaign in exchange for a 20-minute video appearance.
Meanwhile, the president’s former campaign chairman is under indictment, and his former national security adviser has pleaded guilty to lying to investigators. His son-in-law and other associates are also under investigation.

This is your president, ladies and gentlemen. This is how Donald Trump does business, and these are the kinds of people he surrounds himself with.

Mr. Trump has spent his career in the company of developers and celebrities, and also of grifters, cons, sharks, goons and crooks. He cuts corners, he lies, he cheats, he brags about it, and for the most part, he’s gotten away with it, protected by threats of litigation, hush money and his own bravado. Those methods may be proving to have their limits when they are applied from the Oval Office. Though Republican leaders in Congress still keep a cowardly silence, Mr. Trump now has real reason to be afraid. A raid on a lawyer’s office doesn’t happen every day; it means that multiple government officials, and a federal judge, had reason to believe they’d find evidence of a crime there and that they didn’t trust the lawyer not to destroy that evidence.

On Monday, when he appeared with his national security team, Mr. Trump, whose motto could be, “The buck stops anywhere but here,” angrily blamed everyone he could think of for the “unfairness” of an investigation that has already consumed the first year of his presidency, yet is only now starting to heat up. He said Attorney General Jeff Sessions made “a very terrible mistake” by recusing himself from overseeing the investigation — the implication being that a more loyal attorney general would have obstructed justice and blocked the investigation. He complained about the “horrible things” that Hillary Clinton did “and all of the crimes that were committed.” He called the A-team of investigators from the office of the special counsel, Robert Mueller, “the most biased group of people.” As for Mr. Mueller himself, “we’ll see what happens,” Mr. Trump said. “Many people have said, ‘You should fire him.
’”
In fact, the raids on the premises used by Mr. Trump’s lawyer, Michael Cohen, were conducted by the public corruption unit of the federal attorney’s office in Manhattan, and at the request not of the special counsel’s team, but under a search warrant that investigators in New York obtained following a referral by Mr. Mueller, who first consulted with the deputy attorney general, Rod Rosenstein. To sum up, a Republican-appointed former F.B.I. director consulted with a Republican-appointed deputy attorney general, who then authorized a referral to an F.B.I. field office not known for its anti-Trump bias. Deep state, indeed.

Mr. Trump also railed against the authorities who, he said, “broke into” Mr. Cohen’s office. “Attorney-client privilege is dead!” the president tweeted early Tuesday morning, during what was presumably his executive time. He was wrong. The privilege is one of the most sacrosanct in the American legal system, but it does not protect communications in furtherance of a crime. Anyway, one might ask, if this is all a big witch hunt and Mr. Trump has nothing illegal or untoward to hide, why does he care about the privilege in the first place?
The answer, of course, is that he has a lot to hide.

This wasn’t even the first early-morning raid of a close Trump associate. That distinction goes to Paul Manafort, Mr. Trump’s former campaign chairman and Russian oligarch-whisperer, who now faces a slate of federal charges long enough to land him in prison for the rest of his life. And what of Mr. Cohen? He’s already been cut loose by his law firm, and when the charges start rolling in, he’ll likely get the same treatment from Mr. Trump.

Among the grotesqueries that faded into the background of Mr. Trump’s carnival of misgovernment during the past 24 hours was that Monday’s meeting was ostensibly called to discuss a matter of global significance: a reported chemical weapons attack on Syrian civilians. Mr. Trump instead made it about him, with his narcissistic and self-pitying claim that the investigation represented an attack on the country “in a true sense.”

No, Mr. Trump — a true attack on America is what happened on, say, Sept. 11, 2001. Remember that one? Thousands of people lost their lives. Your response was to point out that the fall of the twin towers meant your building was now the tallest in downtown Manhattan. Of course, that also wasn’t true.
© 2018 The New York Times Company.

 



April 19, 2018

Veríssimo : Reforma Agrária


Verissimo

Numa carta um leitor comentou um texto meu sobre a reforma agrária intitulado “Injustiça e desordem”, publicado há algum tempo. O leitor não gostou do texto. Nele eu lamentava a demora de uma reforma agrária para valer no país, e o leitor perguntou: “Que reforma agrária para valer seria essa que dilapidaria o setor do agronegócio, que segura as contas do país, com efeito multiplicador de gerar riqueza, emprego e renda para a indústria e os serviços?” Seguiu dizendo que toda a nação já entendera que o setor rural é o maior responsável pelo crescimento da economia brasileira, salvo os que insistem num pensamento “ideológico” e atrasado sobre a questão — como o meu. E recorre a uma analogia curiosa: “É como voltar ao tempo do Brasil-Colônia, onde nós, colonizados, não podíamos acumular riqueza porque tudo pertencia à Coroa portuguesa”.

Me parece que se a situação colonial evoca alguma coisa, é a atual coexistência no Brasil do latifúndio sem proveito social ou econômico e as legiões de banidos da terra, com a Coroa portuguesa no papel do proprietário ausente. Não se quer a dilapidação de negócio algum, e sim uma reforma agrária que inclua os milhões de hectares vazios mantidos no Brasil só pelo seu valor patrimonial — uma realidade notória que o leitor não cita — na cadeia produtiva, com colonização bem feita e bem apoiada. Goethe dizia que preferia a injustiça à desordem. Triste o país em que a escolha entre uma coisa e a outra ainda precisa ser feita.


O leitor diz que não há exemplo de reforma agrária que deu certo. Eu tenho alguns. Li um relatório da ONU sobre os efeitos dramáticos na cidade de Calcutá, conhecida pela miséria e a extrema degradação urbana, da reforma agrária feita na sua região. Uma reforma agrária radical livrou o Japão de uma estrutura fundiária feudal e teve muito a ver com sua recuperação depois da guerra. A louca corrida para ocupar o Oeste americano não é modelo para nenhum tipo de colonização racional, mas não deu errado. E já que exemplos americanos legitimam qualquer argumento, mesmo os do pensamento “ideológico”, recomendo que o leitor se informe sobre o Homestead Act, com o qual o governo dos Estados Unidos lançou, no século XIX, o maior programa de distribuição de terra da História. Não surpreende a desinformação sobre reformas agrárias alheias que deram certo, ou só foram frustradas pela reação violenta. Os próprios sucessos da incipiente reforma agrária brasileira são ignorados. Sobre os assentamentos que estão funcionando em paz, e produzindo, e contribuindo para o efeito multiplicador que o leitor, muito justamente, exalta, só se tem silêncio.

 

April 18, 2018

HQ exigente faz Twin Peaks parecer cidadezinha normal


Resultado de imagem para diastrofismo humano

ÉRICO ASSIS
São Paulo 
 
Maria é a que concorria em concursos de beleza, que se casou com um gângster, que às vezes sente que um fantasma bate na sua cabeça com uma pá e que é mãe de Luba.

Humberto é o garoto de olhos doidos que se deslumbra ao descobrir livros de história da arte e resolve esculpir os habitantes de Palomar --esculturas que depois joga no rio.

Casimira é a garotinha que perdeu o braço e usa a prótese de porrete ou tocha. Doralís, outra filha de Luba, vira paquita de programa infantil. Angel é o ex-presidiário.

Em "Diastrofismo Humano", segunda coletânea portentosa dos quadrinhos de Gilbert Hernandez, o leitor tem desculpa para se perder entre tantos, tantos personagens e suas vidas. Aparentemente, é intencional.

Hernandez já tinha ouvido todas as comparações entre o realismo fantástico de sua fictícia Palomar e "Cem Anos de Solidão", ou com as telenovelas mexicanas. Aí, parece que resolveu ligar o turbo: o elenco dobrou, os saltos para passado e futuro aceleraram e, para entender um fio da trama, às vezes você tem que ter em mente cenas aparentemente despropositadas de cem páginas ou na coletânea anterior do autor.

Iniciadas no começo dos anos 1980, as histórias de Palomar saíam em capítulos na revista Love & Rockets, marco do quadrinho indie criada por Gilbert e seus irmãos. As histórias de "Diastrofismo" são do auge da revista.

Há diferenças fortes entre as duas metades do novo volume. Na primeira, a trama com um assassino serial na cidadezinha mexicana tenta alinhavar vários desenvolvimentos na vida dos personagens.
Essa trama maior, porém, lembra um guarda-chuva pelo qual pingam subtramas que não parecem tão sub. O que Hernandez quer mesmo é ficar contando draminhas cotidianos.

Chega a ser irônico: os palomarinos quase ignoram a ameaça do assassino, pois estão mais ligados em sexo, babosas fritas (espécie de lesma que se come na cidade), brigas de família. O leitor também é levado a curtir mais esses momentos.

Já a segunda metade, a partir de "Adeus, Minha Palomar", é a da super-rotação. Hernandez não só despeja avanços na vida das personagens ou conta suas origens. Faz isso com mudanças de cena constantes e saltos temporais que exigem concentração do leitor.

Se nos quadrinhos mais comuns você se guia nessas transições pelas cores ou pela virada de página, aqui o autor conscientemente nega esses artifícios ao leitor e exige atenção total. Colas com o nome dos personagens e uma descrição rápida, no início e no final do volume, ajudam um pouco. Só um pouco.

Misture ainda os elementos sobrenaturais, a sexualidade (de todas as cores) à mostra, os comentários sobre política, racismo, sexismo, maternidade, fronteiras e paixões avassaladoras que, perto de Palomar, Twin Peaks vira uma cidadezinha normal.

Tudo é pano de fundo para jornadas transformadoras das personagens. O "diastrofismo" —a movimentação das placas tectônicas—, como diz o título, acontece em nível humano. Mas toma proporções reais na última história.

DIASTROFISMO HUMANO
Autor Gilbert Hernandez
Tradutora Cris Siqueira
Editora Veneta
Preço R$ 89,90 (252 págs)



April 16, 2018

Criminalização de roupa nova


Flávia Oliveira

Não é novidade o viés discriminatório do sistema jurídico-policial brasileiro. Enquanto o Planalto se ocupa do amplo direito de defesa dos donos do poder, a planície segue a rotina de arbitrariedades, que apontam dedos para pobres, pretos e moradores da periferia. O primeiro Código Penal da República, de 1890, tratava como ilícitos a capoeira, o curandeirismo e a vadiagem — os dois primeiros relacionados às tradições culturais dos afrodescendentes recém-libertos; o terceiro ao trabalho informal que, ainda hoje, alcança quase metade da mão de obra. 

Dois anos e meio atrás, o então secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, defendia o recolhimento de adolescentes que saíam da Zona Norte para ir à praia em Copacabana. Sem terem cometido qualquer infração, os jovens eram retirados de ônibus e encaminhados a abrigos, numa encenação à brasileira de “Minority report”, conto de Philip K. Dick levado ao cinema por Steven Spielberg. O Rio confirmava-se como lugar em que suburbanos e favelados tornavam-se suspeitos pelos lugares onde vivem, o transporte que usam, a merenda que não levam, o Bilhete Único que não carregam.

A cúpula da Segurança mudou, a mentalidade, não. Sábado passado, o estado há dois meses sob intervenção federal anunciou com estardalhaço a prisão de 159 homens – todos milicianos, segundo a Polícia Civil. A operação, durante uma festa num sítio em Santa Cruz, deixou quatro mortos e resultou na apreensão de 24 armas de fogo, 76 carregadores, 1.265 projéteis e 11 carros roubados. Não se está a duvidar de que, entre os detidos, haja pessoas envolvidas com a milícia, crime que já domina grandes porções do território fluminense. Mas cabe indagar se 100% dos capturados são mesmo criminosos.

A mobilização imediata de familiares despertou a desconfiança. Eles alegam que a festa era pública, com divulgação em redes sociais, cobrança de ingressos, venda de bebidas e shows de grupos conhecidos (Pique Novo e Swing & Simpatia). Na audiência de custódia, a Justiça desprezou individualidades e manteve a prisão preventiva de todos os acusados. 

A Defensoria Pública do Rio representa 25 presos, mas entrevistou 48. Todos são primários, 18 têm carteira assinada, 17 tiveram emprego formal e hoje trabalham sem vínculo. Há cozinheiro, ajudante de pedreiro, repositor de supermercado, lavador de carro, vendedor de loja, pedreiro, motorista de Uber e ônibus, atendente de lanchonete, açougueiro. Dois têm curso superior (administração e contabilidade), um é funcionário da Funarte. Dos que constituíram advogados, um é gari da Comlurb; outro, professor da Uerj.

“Em 16 anos de carreira, nunca vi prisão coletiva de tanta gente, tantos primários, tantos com vínculo empregatício e tantos com advogados. Não posso dizer que nenhum esteja envolvido com milícia, mas também não dá para dizer que todos estão. Os que têm carteira assinada e comprovante de residência deveriam, ao menos, ter o direito de responder em liberdade”, afirma Ricardo André de Souza, um dos quatro defensores públicos no caso.

A polícia festeja uma ação de inteligência efetivada por captura coletiva em flagrante. A conclusão do auto de prisão menciona 11 nomes. Wellington da Silva Braga, o Ecko, chefe da milícia e alvo central da investigação, escapou. Havia mulheres no sítio, mas nenhuma foi detida. Oito menores apreendidos tiveram os processos arquivados, a pedido do Ministério Público. Pontuado de estranhezas, o caso abre espaço para associar frequentador de baile funk ao tráfico e sambista ao jogo do bicho. É a criminalização, velha de guerra, de roupa nova.